quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

10 da manhã.

Chega uma certa hora do dia, em que as coisas se tornam mais simples, mais bem apresentáveis, mais claras!
Não que isso signifique entendimento total, ou alguma certeza dita e assinada. Não.
Isso não significa quase nada. 
Na verdade, isso é nada além de bom.
10 horas da manhã.
Hora linda, de beleza efêmera, quase sempre congelada.
Beleza que quase nunca se vê. 
De primeira, raramente.
Na verdade temo tranquila, que ela quase nunca é notada, ou mais,
temo tranquila até que não exista beleza alguma, só exista daqui.
Mas é uma hora que me sorri de sorriso leve, me deixa de barriga agoniada.
Luz perfeita, e ainda da pra tomar café da manhã.
É a hora mais prazerosa, silenciosa, contida e de gigantesca conexão com o resto de mim.
Eu me sinto no meio do mundo real. 
É a hora que quase nunca é vista, de tão serena que ela passa.
Respiro durante ela, uma eternidade de sensações indizíveis, quase sempre.
Ela não aparece em mim todos os dias não. Ela vem quando quer,
quando sente falta de ser completada.
Ai ela aparece, como poesia matutina esclarecendo delicadamente por um pequeno
instante, a minha grande existência. E passa.
Ela é linda, mas tão linda, que parece rosa, mas é azul.
E tem um bucado de cores pelos cantos.
Ela é tão forte, que me sinto árvore antiga, com vento passando, levando as folhas
e fazendo arte no ar. 
10 horas da manhã, hora de susto gostoso, que arrepia a inconsciência do meu sentir.
Canta sussurros no ouvido, falando de amor completo, de purificação da alma,
de sabor divino. 
É nessa hora, que eu tenho contato sobrenatural com o resto, que só é resto, porque falta 
todo mundo ver. 
Mas quando eu vejo esse resto todo, as 10 da manhã, eu vejo o que a gente tem de mais cheiroso 
nessa existência, e que ainda nem se compara, com as 10 horas da manhã.
É amor de 10 minutos, as vezes três, mas é tão gostoso, tão incomum, que me faço
poeira quando ela vem chegando. E vou. Vou com ela, me torno ela, e vou sendo relógio, tempo
distorcido e finalizado no sem fim. 
E depois volto, esqueço e lembro de saudade.
E espero o próximo tempo, desse nascimento de alegria plena.
De sol entrando na janela, batendo no relógio.

Lalinha Mendes

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sonho lúcido.

Cantarolando sorrisos,
Corpo sendo criação de primavera,
Pé pisando tato azul clarinho,
Tudo sendo buniteza,
Beleza rara,
Declaração pintada a mão.

Lalinha Mendes.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Felicidade

Já não era nem mais tempo
de uma flor nascer.
Era tarde da noite, quase frio.
Noite de lua amarelada, sorridente.
Noite esquisita, com um ar estranhamente bom.
Sentia cheiro de coisa fresca surgida
de um vento além do céu.

Travada.
Paralisia bonita de repente me deu. Senti surpresa desejada.
Menino branquelo me sorriu, tirou a vez da lua.
Me fez olhar duas vezes, cem! Que cor bonita. Tanta luz.
Fui ficando mansa, cantarolando poesia pela pele.
Felicidade era eu, era ele.
Eu abraçava sem parar, alegria colorida, com olhar dilatado,
frequência igual, em Marte (ou seria Júpiter?).
Dançava eu, rodando a saia, e rodava tudo,
e salpicava alguma coisa qualquer entre um olho castanho claro
pra outro olho castanho claro bonito.

O dia veio sorrindo pelos cantos, a lua resolveu ficar
pra sorrir um pouquinho mais.
Passarinho, árvore, voz e violão, tudo lindo, tudo grama,
ele na grama, deitado, roubava o espaço, fazia a cena,
era o ar.
Eu respirava fundo, tão fundo que fui embora, mas voltei.
E tudo ainda era ar.
Fui inventar de olhar pra ele de pertinho, e sai caindo, ladeira
abaixo, dando cambalhota adoidada.

Que cheiro bom, esse menino tem.
Flui nele, ele em mim, sem pensamento que não fosse mais um susto de poesia,
um surto de súbito encantamento.
Quanta prosa tinha nossa pele.
Água arrepiada, chão em algum lugar perdido no céu.
A gente era um.

Menino branquelo dourado,"quanta felicidade!" me disse,
me trouxe.
E eu fiquei.

Lalinha Mendes.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cor de amanhecer



O que fala mais que um rosto cansado?
Pele laranja marrom,
cheia de terra arrastada,
cheia de falta de ar.

Mão expremendo rosto,
vestido bonito que conta
história antiga,
tipo canção de alegria,
de amor florido desbotado,
sendo só memória travada.

Mão implorando corpo.
Pele desmanchada.,
olho fechado cantando poeira,
declamando partida
de peito partido
que talvez vai pra ficar.

Que medo que dá,
essa moça beleza
virar um vento de dor,
um grito perdido,
uma alma contida.

Que medo que dá,
que só fique o pano rendado,
que só fique tristeza parida.

Não se esquece
moça esquecida,
que laranja marrom
é cor de amanhecer.

Lalinha Mendes

Foto, Aryella Lira.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Eu e eu. Nós.

E eu pensei: “Eu vou fechar os olhos, e tentar mais uma vez, porém com fé dessa vez, entrar nesse mundo que só existe em mim.” Engraçado, que enquanto eu fechava meus olhos e ia tentando com fé entrar nesse mundo que só existe em mim, meu peito quase pediu arrego. Eu não tenho muito controle quando se trata de sentir. E meu peito foi apertando, apertando de mansinho e cada vez mais forte. E no começo, eu confesso, não tive tanta fé assim. É difícil fugir. Dizem por ai que fugir é fácil, mas não é. Fugir é difícil. Fugir é um ato de coragem. E eu tive medo quando eu fui fugir pra dentro de mim. E no começo como eu dizia, eu não tive muita fé. Mas quando eu senti esse aperto forte no peito, então eu soube que era pra lá que eu tinha que ir mesmo. E fui. Fui, e o caminho era lindo. Tinham flores pra todos os lados, e passarinhos que mais pareciam violinos tocando. Ainda era manhã, mas o céu já tinha estrelas, e as árvores tinham todos os tipos de frutas coloridas e felizes. Os bichos que estavam perto de um riacho, brincavam e corriam soltos, e livres dos mamíferos carnívoros. Era tudo muito lindo. Eu fui andando, e em cada canto, eu via uma cor nova, um som calmo e bonito. Via seres, coisas, que não existiam fora de lá. O ar tinha cor de rosa, e o vento era azul. A água dançava, a grama cantava, e as formigas se abraçavam, e tudo festejava, porque eu estava lá.
Sim, lá eu era só, mas todas aquelas coisas lindas, cheirosas, encantadoras que eu tinha visto, era eu. Eu era o mundo que eu sonhava. Eu era o meu sonho. E eu te digo rapaz, eu passei tanto tempo com os olhos fechados, e com o aperto no peito, e vivendo aquele mundo puro chamado ‘eu’.
Eu acho que durante uns 2 anos, eu continuava só. Só eu e eu. E era bom. De manhã eu colhia meu café da manhã, e tomava banho no riacho com os bichos. Era muito divertido. À tarde, eu sentava na grama olhava pro céu estrelado e maravilhoso, pegava meu violão, e cantava junto com ela. E de noite geralmente, eu declamava poesias para água acompanhada pelo som de violino que saia do canto dos passarinhos.
Às vezes eu me via pensando como ia ser bom, se alguém viesse ao menos visitar o meu mundo. Ele é tão bom. Na verdade eu queria era que o mundo inteiro virasse meu mundo. Mas eu sei que não vai dar.
Nos dias mais calmos ainda, desse meu mundo, eu às vezes ouvia umas vozes de não sei onde. E ouvia tantas coisas tristes. Eram as únicas vezes que eu me entristecia nesse mundo. Eu acho que eram as pessoas do mundo de fora, o irreal. Eu ouvia coisas tristes sobre infelicidade e desamor. E elas diziam que era eu quem estava sim. Mas como pode¿ Meu mundo era puro amor, e tinha felicidade pra todos os lados¿
E aquela agressão fina, começou a me perseguir todos os dias, e eu comecei a ver meu mundo se desmanchando um pouco sabe¿ Aos poucos os pássaros começaram a desafinar, a água começou a cair, as frutas estavam podres, o céu pela manhã, já não se via mais estrelas. Os bichos estavam com fome, e começaram a se devorar, e eu comecei a andar correndo, e a cantar baixo, e chorava vez em quando, mas não era de alegria como antes, quando eu via as cores do ar e do vento, não. Eu chorava de angústia, e de vazio. E meu peito começou a não apertar, e desafrochar, e desmanchar, e de repente tudo ficou escuro. Nem eu me via mais. Eu me tornei um eco, talvez. E depois até o eco parou. Nem a palavra nada, definia o que eu me tornei. E eu abri os olhos. Abri os meus tristes olhos, e estranhei. Que mundo feio pra qual eu voltei. Um mundo com muitos outros mundos misturados, e nem sempre bons. Um mundo opaco, e sem sons. Um mundo seco, e amargo, e escuro, e sem estrelas, e sem gramas, e sem bichos, e sem cores rosas e azuis, e sem seres desconhecidos, e sem respiração leve, e sem pureza, e sem nada. Quando eu me vi nesse mundo de novo, eu todos os dias andava em vão, respirava em vão, tomava meu café da manhã em vão. Ali não era eu. Eu não fazia parte daquilo. Eu estava perdida. Perdida, e aceita. Mas eu não queria ser aceita, pelo que não era eu. Eu não queria. E meus dias se tornaram todos descolados, e incolores. Eu era triste, como nunca tinha sido antes. Eu tinha saudade, mas já havia me esquecido do quê. Eu tinha tanta gente ao meu redor, mas me sentia tão só. Eu quando eu cantava, eu sentia uma coisa no peito, que me lembrava algo bom. Que eu não sabia o que era ainda.
E um dia eu peguei meu violão empoeirado e largado, coitado, fui pra uma praça, longe de tudo que eu queria estar longe, e comecei a tocar. E enquanto eu tocava, eu fechei os meus olhos, e meu peito deu uma pontada, eu estranhei. Mas continuei. E eu ouvia uma voz dentro da minha cabeça, que eu nunca tinha escutado antes. Era uma voz bonita, mansa, calma, que falava sobre cores e sons, e felicidade por todos os lados, e muito amor também. E eu abri os meus olhos assustada. Parecia que eu estava vivendo um dejavú. E quando abri os meus olhos, eu percebi, que a voz não era de dentro da minha cabeça, e sim de fora. Havia mesmo alguém ali, do meu lado, cantando com voz bonita, mansa, calma, e que falava sobre cores e sons, e felicidade por todos os lados, e muito amor também. E eu sorri de novo, depois de muito tempo eu sorri de novo. E a praça começou a brilhar, o céu, aquele céu de 10 horas da manhã, começou a ficar estrelado e bonito, e eu comecei chorar, pois aquelas cores rosas do ar, e aquele azul do vento que batia no meu rosto, me emocionava tanto. E eu comecei a cantar também, e cantava de olho aberto, de peito aberto, de céu aberto, de mãos abertas, e vi, que aquela pessoa, que cantava bonito, manso, e calmo, também abriu os olhos. E a gente não precisou falar nada. A gente só cantava e sorria, e dançava, e se abraçava, e dava graças a deus. E o tempo foi passando assim. E tudo se tornou muito bonito de novo. E a gente andava por ai, feliz, e com amor no peito. No peito, no ar, na água, nos seres desconhecidos, em tudo. Em tudo mesmo. Tudo na verdade, era amor. O amor, era o mundo. E eu, e ele, a gente era. A gente era o mundo sonhado, e a gente era o sonho de cada um. E vez em quando, a gente ouvia umas vozes que falavam sobre coisas tristes, como infelicidade e desamor. E aquilo nos entristecia. E era a única hora em que nos víamos tristes naquele mundo nosso. E nessas horas, a gente fechava os olhos. Eu tapava os ouvidos dele com as minhas mãos, e ele tapava os meus com as mãos dele. E de novo a gente cantava.
E depois de algum tempo, a gente não ouvia mais aquelas vozes opacas. E hoje eu te digo, a gente vive a milhares de anos nesse mundo. E nada mudou. Tudo ainda é muito feliz, e muito bom. E eu sou ele, ele é eu. Eu vivo no mundo dele, e ele vive no meu mundo, que é a mesma coisa. É um só. O mundo é. É o nosso mundo.

Lalinha Mendes