terça-feira, 9 de agosto de 2011

Eu e eu. Nós.

E eu pensei: “Eu vou fechar os olhos, e tentar mais uma vez, porém com fé dessa vez, entrar nesse mundo que só existe em mim.” Engraçado, que enquanto eu fechava meus olhos e ia tentando com fé entrar nesse mundo que só existe em mim, meu peito quase pediu arrego. Eu não tenho muito controle quando se trata de sentir. E meu peito foi apertando, apertando de mansinho e cada vez mais forte. E no começo, eu confesso, não tive tanta fé assim. É difícil fugir. Dizem por ai que fugir é fácil, mas não é. Fugir é difícil. Fugir é um ato de coragem. E eu tive medo quando eu fui fugir pra dentro de mim. E no começo como eu dizia, eu não tive muita fé. Mas quando eu senti esse aperto forte no peito, então eu soube que era pra lá que eu tinha que ir mesmo. E fui. Fui, e o caminho era lindo. Tinham flores pra todos os lados, e passarinhos que mais pareciam violinos tocando. Ainda era manhã, mas o céu já tinha estrelas, e as árvores tinham todos os tipos de frutas coloridas e felizes. Os bichos que estavam perto de um riacho, brincavam e corriam soltos, e livres dos mamíferos carnívoros. Era tudo muito lindo. Eu fui andando, e em cada canto, eu via uma cor nova, um som calmo e bonito. Via seres, coisas, que não existiam fora de lá. O ar tinha cor de rosa, e o vento era azul. A água dançava, a grama cantava, e as formigas se abraçavam, e tudo festejava, porque eu estava lá.
Sim, lá eu era só, mas todas aquelas coisas lindas, cheirosas, encantadoras que eu tinha visto, era eu. Eu era o mundo que eu sonhava. Eu era o meu sonho. E eu te digo rapaz, eu passei tanto tempo com os olhos fechados, e com o aperto no peito, e vivendo aquele mundo puro chamado ‘eu’.
Eu acho que durante uns 2 anos, eu continuava só. Só eu e eu. E era bom. De manhã eu colhia meu café da manhã, e tomava banho no riacho com os bichos. Era muito divertido. À tarde, eu sentava na grama olhava pro céu estrelado e maravilhoso, pegava meu violão, e cantava junto com ela. E de noite geralmente, eu declamava poesias para água acompanhada pelo som de violino que saia do canto dos passarinhos.
Às vezes eu me via pensando como ia ser bom, se alguém viesse ao menos visitar o meu mundo. Ele é tão bom. Na verdade eu queria era que o mundo inteiro virasse meu mundo. Mas eu sei que não vai dar.
Nos dias mais calmos ainda, desse meu mundo, eu às vezes ouvia umas vozes de não sei onde. E ouvia tantas coisas tristes. Eram as únicas vezes que eu me entristecia nesse mundo. Eu acho que eram as pessoas do mundo de fora, o irreal. Eu ouvia coisas tristes sobre infelicidade e desamor. E elas diziam que era eu quem estava sim. Mas como pode¿ Meu mundo era puro amor, e tinha felicidade pra todos os lados¿
E aquela agressão fina, começou a me perseguir todos os dias, e eu comecei a ver meu mundo se desmanchando um pouco sabe¿ Aos poucos os pássaros começaram a desafinar, a água começou a cair, as frutas estavam podres, o céu pela manhã, já não se via mais estrelas. Os bichos estavam com fome, e começaram a se devorar, e eu comecei a andar correndo, e a cantar baixo, e chorava vez em quando, mas não era de alegria como antes, quando eu via as cores do ar e do vento, não. Eu chorava de angústia, e de vazio. E meu peito começou a não apertar, e desafrochar, e desmanchar, e de repente tudo ficou escuro. Nem eu me via mais. Eu me tornei um eco, talvez. E depois até o eco parou. Nem a palavra nada, definia o que eu me tornei. E eu abri os olhos. Abri os meus tristes olhos, e estranhei. Que mundo feio pra qual eu voltei. Um mundo com muitos outros mundos misturados, e nem sempre bons. Um mundo opaco, e sem sons. Um mundo seco, e amargo, e escuro, e sem estrelas, e sem gramas, e sem bichos, e sem cores rosas e azuis, e sem seres desconhecidos, e sem respiração leve, e sem pureza, e sem nada. Quando eu me vi nesse mundo de novo, eu todos os dias andava em vão, respirava em vão, tomava meu café da manhã em vão. Ali não era eu. Eu não fazia parte daquilo. Eu estava perdida. Perdida, e aceita. Mas eu não queria ser aceita, pelo que não era eu. Eu não queria. E meus dias se tornaram todos descolados, e incolores. Eu era triste, como nunca tinha sido antes. Eu tinha saudade, mas já havia me esquecido do quê. Eu tinha tanta gente ao meu redor, mas me sentia tão só. Eu quando eu cantava, eu sentia uma coisa no peito, que me lembrava algo bom. Que eu não sabia o que era ainda.
E um dia eu peguei meu violão empoeirado e largado, coitado, fui pra uma praça, longe de tudo que eu queria estar longe, e comecei a tocar. E enquanto eu tocava, eu fechei os meus olhos, e meu peito deu uma pontada, eu estranhei. Mas continuei. E eu ouvia uma voz dentro da minha cabeça, que eu nunca tinha escutado antes. Era uma voz bonita, mansa, calma, que falava sobre cores e sons, e felicidade por todos os lados, e muito amor também. E eu abri os meus olhos assustada. Parecia que eu estava vivendo um dejavú. E quando abri os meus olhos, eu percebi, que a voz não era de dentro da minha cabeça, e sim de fora. Havia mesmo alguém ali, do meu lado, cantando com voz bonita, mansa, calma, e que falava sobre cores e sons, e felicidade por todos os lados, e muito amor também. E eu sorri de novo, depois de muito tempo eu sorri de novo. E a praça começou a brilhar, o céu, aquele céu de 10 horas da manhã, começou a ficar estrelado e bonito, e eu comecei chorar, pois aquelas cores rosas do ar, e aquele azul do vento que batia no meu rosto, me emocionava tanto. E eu comecei a cantar também, e cantava de olho aberto, de peito aberto, de céu aberto, de mãos abertas, e vi, que aquela pessoa, que cantava bonito, manso, e calmo, também abriu os olhos. E a gente não precisou falar nada. A gente só cantava e sorria, e dançava, e se abraçava, e dava graças a deus. E o tempo foi passando assim. E tudo se tornou muito bonito de novo. E a gente andava por ai, feliz, e com amor no peito. No peito, no ar, na água, nos seres desconhecidos, em tudo. Em tudo mesmo. Tudo na verdade, era amor. O amor, era o mundo. E eu, e ele, a gente era. A gente era o mundo sonhado, e a gente era o sonho de cada um. E vez em quando, a gente ouvia umas vozes que falavam sobre coisas tristes, como infelicidade e desamor. E aquilo nos entristecia. E era a única hora em que nos víamos tristes naquele mundo nosso. E nessas horas, a gente fechava os olhos. Eu tapava os ouvidos dele com as minhas mãos, e ele tapava os meus com as mãos dele. E de novo a gente cantava.
E depois de algum tempo, a gente não ouvia mais aquelas vozes opacas. E hoje eu te digo, a gente vive a milhares de anos nesse mundo. E nada mudou. Tudo ainda é muito feliz, e muito bom. E eu sou ele, ele é eu. Eu vivo no mundo dele, e ele vive no meu mundo, que é a mesma coisa. É um só. O mundo é. É o nosso mundo.

Lalinha Mendes

4 comentários:

  1. Poxa Lalinha... Que viagem o texto. Psicodelia sentimental... Prosa e poesia... É vc provando e comprovando sua versatilidade =) Xero

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  2. Oh Lalinha que lindo o texto! Eu adoro as explicações feitas aos sentimentos e o seu autoconhecimento é muito forte e não tem como não dizer que você não se conhece, porque você entende exatamente tudo que se passa com vc. Bonito, gostei muito!

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  3. Gostei bastante Lalinha, me pareceu um texto bem maduro, as andanças do EU, a construção narrativa envolvente, boa técnica, bom texto. Parabéns!!!

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  4. Pura verdade... esse é o nosso mundo!

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